algo que soa cômico, e é, e também é outra coisa: na adolescência, meus amigos e eu éramos parte de uma sociedade secreta de escrita. por uma série de razões, o nome secreto de todos deveria ser composto por uma palavra de sua escolha, precedida por: eros de. sim. eros. e o nome que eu, com catorze anos, escolhi? eros de solidão.
é cômico, e também é outra coisa.
tenho me sentido fechando portas. sinto que ano passado, expandi demais. expandi muito. foi lindo, isso. foi lindo e importante. encontrar diferentes amigos com frequência semanal. a professora que eu amo rindo da minha cara dizendo que eu amo gente demais. eu ainda amo gente demais. e aí, alguma coisa – o início das aulas? às vezes, penso que poderia colocar tudo no pacote desse trabalho, daí penso que não faz sentido, não é justo, não pode ser assim. tanta gente com outros tantos trabalhos exaustivos, e muito mais frequentes do que eu estou sendo. fico sem desculpas. talvez apenas com motivos.
tenho dormido como nunca. tenho falado cada vez menos com pessoas por mensagens. tenho saído cada vez menos de casa. um esforço de cada vez. tento responder na hora, na maioria das vezes. pelo menos, no dia. depende da conversa, depende do esforço de dizer. o esforço de dizer. todos os dias úteis da semana, pelas manhãs: o esforço de dizer.
que saudade de escrever. é cômico e também é outra coisa: uma infância inteira gasta com a imaginação. com o esforço de dizer. as redações, as fanfics. a adolescência com o calo no dedo, lápis se desgastando, canetas manchando a pele. naquela época, eu escrevia com criatividade. histórias eram imaginadas. situações, personagens. narrando os acontecimentos grandiosos e banais das pessoas que eu inventava e das pessoas que outras pessoas tinham inventado, mas eu que eu tomava emprestadas para mim. sinto que perdi a imaginação, a criatividade, as vidas que podia fazer. agora resta o que quer que seja isso – um eterno diário, um eterno ensaio, uma eterna repetição de tom e de temas. eu e o mundo, o mundo e eu.
uma repetição: tenho sofrido pelo meu corpo, e sofrido por sofrer pelo meu corpo. creio que tem. a ver com o isolamento, de alguma maneira. me sinto ridícula e repetitiva mais uma vez, sempre ridícula e repetitiva: isso, ainda? de novo? logo eu, que quero reabilitar a feiúra? até quando isso vai continuar? impossível, constato mais uma vez, separar mente e matéria: o corpo sou eu, eu sou o corpo. nos abrimos, nos isolamos. qual o sentido dessa angústia? quase apago esse parágrafo, que poderia ser muito, muito maior, e desisto de desistir. o esforço de dizer, porque o que eu quero dizer é chato e eu estou cansada.
sinto vontade de falar dos meus alunos. falar do aconselhamento espiritual que recebi de um menino de dezesseis anos. falar de trocas engraçadas, das coisas espertinhas que dizem. falar do desespero, do barulho. mandei um aluno para fora de sala e pensei: isso é algo para ele ou para mim? para lidar com o meu próprio estresse? às vezes, invento um motivo para sair da sala, caminhar o corredor, respirar um instante de silêncio e aí voltar. conheci as mães, e alguns pais, de alguns dos meus alunos. foi bom e também foi horrível.
tento ficar perto da escrita porque sempre estive perto da escrita. aceito que não será nada nunca como eu gostaria. não consigo escrever como aquilo que eu gosto de ler, os autores que eu amo, aquelas palavras que vivo repetindo perto do coração. recentemente, li o terrível livro da tati bernardi e pensei: pelo menos, em salvar o fogo existe um esforço de imaginação, um esforço de dizer, um esforço de sair de si. claro que essa ligação, aparentemente sem sentido, tem razão de ser. se um dia eu escrevesse algo que existisse em papel, como usaria meu esforço? um eterno diário, um eterno ensaio. digito isso de lábios cerrados. gosto de diários e ensaios eternos. gosto de narrativas da imaginação.
tenho lido pouco e escrito menos ainda. tenho dormido muito e me sentido muito cansada. mas é engraçado – sempre que leio o pouco que leio, sempre que escrevo o pouco que escrevo, algo se mexe. diante da leitura: alegria e espanto. diante da escrita: alívio. as palavras, sempre as palavras. penso no nome escolhido aos catorze anos e sorrio. ridículo, e também outra coisa.