sim, eu continuo no tópico da beleza. ou da aparência. ou qualquer coisa assim.
queria que essa não fosse uma preocupação constante, mas sendo, vou lidar com ela desse jeito que lido com as coisas. alguns posts atrás, falei algo sobre sentir um certo prazer em ser feia e ser desejada. ser desejada sendo feia. é claro, no fundo, toda conversa sobre ser bonito/ser feio é muito permeável. tudo existe em percepções demais: a minha, a do outro, a da sociedade, que se mistura na dos indivíduos. é uma flutuação que é e não é óbvia.
um exercício que faço com constância e que com constância vejo ser feito na internet é o de olhar fotos de um passado (recente, normalmente) seu e pensar: ah, eu não era tão feia! ou que era bonita. ao contrário de agora. e repete. o agora vai ser passado recente, e no novo agora, pensarei a mesma coisa. a versão mais brutal disso, claro, é com fotos da adolescência. olho para a adolescente que fui e quase sinto falta de ar. um grande desejo de poder falar para ela o que eu sei agora. o descompasso temporal dura para sempre. as descobertas só chegam depois.
quando digo que quero reabilitar a feiura é que eu acho importante se achar bonito. e eu acho importante não se achar nada. e eu acho importante se achar feio e viver. normalmente, eu me sinto assim: feia e muito viva. feia e com tesão. feia e desejada. feia e triste. feia e com raiva. feia e a pessoa mais simpática do mundo.
eu gosto muito da beleza. fico espantada com as coisas bonitas. e acho que o mundo está cheio de coisas bonitas (e de coisas feias, é claro). amo muito os passarinhos, eles são lindos. penso em outros bichos que existem na terra e que causam nojo ou desgosto (claro,
[o texto acima data do dia catorze de outubro de 2024. a partir daqui, estamos em fevereiro de 2025]
me parece ridículo gastar tanto neurônio com a aparência. com a minha aparência. me parecia ridículo quando eu tinha quinze anos, mas perdoável. aos trinta anos, é ridículo e imperdoável. especialmente agora que existe mesmo tanto horizonte pela frente. eu sou professora de literatura! caramba! desde o início do ano. só preciso do aval do meu orientador pra poder berrar que terminei a minha dissertação. vou começar o doutorado no final de março. os meus amigos, eu os amo absurdamente. não estou em escassez de beijo na boca. e isso pra falar apenas da minha vidinha de poucos problemas. imagine, se algo sério de fato estivesse acontecendo na minha vida. a aparência é algo tão pífio. pra que se importar tanto?

assisti recentemente império dos sentidos e achei uma linda história de amor. o tweet do caio hoje me fez pensar: será que eu amaria tanto o amor se fosse incontestavelmente bonita? bonita de nascença? o que eu não quero com esse post: coitadismo. é terrível falar sobre não ser bonito e sentir que os outros estão imaginando que eu quero só ouvir que eu sou bonita. não é isso. eu até me acho bonita, e é quase um prazer culposo, como se a qualquer momento fossem abrir a porta e me flagrar me achando bonita e apontar o dedo e rir ou falar de como estou fazendo errado. isso deveria estar num parêntese, não ser bonita de nascença, ou não ser obviamente bonita. dizer isso me parece um ressentimento com quem tem essa beleza, e deve ser. eu devo ser muito ressentida. a coisa de ver alguém ter algo que você não tem, e nunca vai ter. quase como: eu posso ser bonita, mas não é dado. acho que sou uma pessoa charmosa, divertida, com quem os outros gostam de conversar, e amo muito isso e ser assim. mas absurdamente tudo cai por terra quando me deparo com uma pessoa [B]onita. posso até impressionar quando abro a boca e o coração, mas é isso, é até aí. preciso abrir a boca e o coração pra isso.
de volta ao império dos sentidos e ser uma linda história de amor e o amor. me perguntei se amaria tanto o amor se etc. quase como se precisasse ser esquisita, ter sido esquisita, continuar um pouquinho esquisita pra poder assistir ao filme e me sentir enternecida, assistir ao filme e pensar com carinho naqueles personagens e na tranquilidade e na falta de susto de estar sob a mira da faca de alguém que se ama. quase como: eu preciso (precisei? preciso?) ser feia para achar isso bonito. preciso ser, ter sido, ser feia para olhar para o amor desse jeito. isso é verdade? isso é só uma tentativa de consolo? é preciso ser ou ter sido feia para olhar o mundo desse jeito, ou não? é preciso ser ou ter sido feia para pensar sobre sexo do jeito que eu penso, ou não? é preciso ser ou ter sido feia, ou às vezes ser feia, às vezes não ser nada, às vezes ser tudo, pra ter esses olhos e esses ouvidos, pra pensar desse jeito, pra querer as coisas desse jeito? ou não? sinto que estou cercada de pessoas bonitas e obviamente bonitas, e aí elas me dão seus relatos de adolescências esquisitas (o que nos une, afinal) e penso: qual é a obviedade da beleza, então?
na adolescência, ser feia era um fato. não havia espaço para discussão. a única vez em que não fui feia na adolescência foi quando um menino que era conhecido e simpático com meu grupo, mas não do meu grupo e nem da minha sala, que estava na minha frente na fila da secretaria, colocou as mãos no meu rosto e disse "morgana, você é bonita", depois resolveu suas questões escolares e se despediu de mim como se nada tivesse acontecido. não ficamos amigos. ele só me deu esse presente e foi embora. penso muito nele e penso nele toda vez que quero muito elogiar alguém de quem não sou tão próxima, ou não sou próxima de forma alguma. uma janela.
volto ao tweet de juru que abre essa postagem. não de um jeito tadinha, mas de um jeito brilhante. a moça feia debruçada na janela (vocês já sabem). eu gosto muito de que seja uma moça feia. mesmo. moça feia na janela achando que a banda toca pra ela. poderia ser uma tiração de sarro: moça feia, acha mesmo que a banda estaria tocando logo pra você? que é feia? mas não é isso. não, não. a beleza da banda é tanta que até mesmo a moça feia, que não deve receber prenda alguma, reconhece essa prenda. acho que a mente dela é brilhante.
minha amiga rafaela tem um olhar embelezador. parece algo engraçado de se dizer. ela me acha muito bonita, e eu acredito. quando ela me olha e me diz isso, quando ela me diz isso de longe. sinto que é real e que diante dela eu sou mesmo bonita. enquanto eu escrevo isso, ela acaba de me dizer por mensagem que eu deixo as pessoas mais bonitas do que elas realmente são. achei tão engraçado ter escrito as frases anteriores e receber essa frase vinda dela, que me deixa bonita. rafaela continua falando e diz que eu sou apaixonada pelo mundo, que eu vejo tudo mais bonito, e que as pessoas não são exceção. é engraçado que ela me aponte isso e não ache isso de si mesma, embora esteja sempre me dizendo coisas bonitas, e dizendo que eu mesma sou bonita. minha amiga rafaela é bonita e engraçada, bonita e doidinha, bonita e divertida, obviamente bonita e obviamente esquisita: então é por isso que ela consegue ter esse olhar?
comecei a escrever esse negócio em outubro, continuo escrevendo agora em fevereiro, sinto que estou andando pra trás nessa questão. sinto que tive épocas bem mais tranquilas. sinto que normalmente opero no nível da neutralidade. sinto que, sinto que. imagino com amargura que a aparência é um empecilho para algumas coisas: costumo pensar que se eu fosse [B]onita, isso jamais estaria acontecendo. se eu fosse bonita, não haveria dúvida. se eu fosse bonita, não haveria hesitação. se eu fosse bonita, isso e aquilo. se eu fosse bonita, eu nem precisaria abrir a boca.
acontece que eu gosto de abrir a boca.
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