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sim, eu estou tão cansado, mas não pra dizer

a professora que eu amo diz: contrariando o tempo dos professores, você deveria sentar e escrever sobre isso.  isso. enquanto isso é agora. ela me disse que no agora dela, professora universitária, aqueles primeiros anos ganharam a pintura do tempo. nada é como é agora. eu dei uma semana de aula e só penso, falo e respiro isso. eu preciso registrar isso enquanto é assim. talvez daqui a um mês já não seja mais. como é possível que em uma semana as coisas pareçam tantas coisas. deve ser porque eu estou começando agora. as novidades são todas.  hoje é domingo à noite, horário oficial de roer o braço. na minha mesa, além do computador, estão as redações corrigidas dos oitavos c, d e f. estão também o caderno em que anoto as aulas, o livro didático fornecido pela escola, o desenho que um aluno me deu (uma morte skatista), um pacote de 500g de café santa clara para levar para a sala dos professores e ter direito de beber café no mês de novembro. um pincel novo que eu comprei ontem. ...

os delírios da beleza

quando eu era adolescente, existia um blog chamado... postsecret? será que ainda existe? meu compromisso com a memória e não com a verdade me faz querer averiguar isso só depois de terminar de escrever esse texto. pois bem, existia, ou existe, um blog com esse nome, em que as pessoas enviavam postais com segredos, ou colagens de postais com segredos. eu lia religiosamente as atualizações, uma época aí. devia ter quinze, dezesseis anos. durante a pandemia, acessei muito um site que agora nem recordo o nome, mas que fazia com que você visse a gravação de alguns minutos, ou horas, da janela de uma pessoa qualquer do mundo. tenho essa coisa com proximidade. e com proximidade anônima. não sei quem são os donos das janelas, pessoas que não posso sequer imaginar o rosto, mas vi as suas vistas por um momentinho, tantas paragens diferentes. no postsecret, o ponto é mesmo ser secreto, mas colocar seu segredo para fora, para todo mundo ler. eu li muita coisa. muitos, muitos segredos. esqueci de t...

horas tristes no expediente

eu queria escrever para me tornar um monstro. um desejo tolo. uma parte de mim quer encher a boca e dizer que já sou um monstro. eu já sou um monstro. que coisa mais deliciosa de se pronunciar. infelizmente, não consigo, não como gostaria. eu quase não sou um monstro, eu quase sou um monstro. sou tão sensível e tão gentil. tão amorosa e tão alegre. tão compreensiva. gosto de estar perto das pessoas e chego a acreditar que muitas delas também gostam de estar perto de mim. um monstro pode ser tolerável? um monstro pode gostar de ser isso, isso e aquilo? se eu fosse um monstro mesmo, eu saberia de cara. quem é um monstro não precisa lutar para sê-lo, está inscrito na testa. eu não sou o monstro que vos fala, mas queria ser.  as emoções são divertidas. se eu sou, e aqui se insere uma risada, intensa, é de se imaginar que essa intensidade sirva para tudo. queria encontrar outra palavra. intensa está cheia de piadas e ironias coladas nela. quero falar diante do público: não, não estou di...

elogio da professora

quando mais nova, eu tinha um hábito: anotar os nomes das professoras e dos professores, relembrá-los sempre, eu não queria esquecê-los. falhei comigo e com eles. parei de relembrar, esqueci. da alfabetização para trás, não lembro o nome de nenhuma das tias. uma pena. se eu forçar muito, consigo lembrar alguns nomes do fundamental um.  tia josefina. ela não era professora, era a coordenadora. lembro-me dela porque uma vez estava na sua sala (eu ia na sala da coordenadora apenas para conversar com ela, nos primeiros anos, fui uma criança que conversou mais com adultos do que com outras crianças) e abracei um enorme globo terrestre que ela tinha sobre a mesa. depois que o soltei, ela me pediu para abraçá-lo de novo, para me fotografar. ela me mandou a foto. não sei se eu ainda a tenho.  tia joelma (ou tia jô). e tia cíntia. elas eram professoras da primeira série? da segunda? eu não sei. uma das duas, ou talvez nenhuma das duas, foi a professora que um dia, quando eu estava na p...

rock de pai

eu sou um certo tipo de nepobaby  que existe no brasil. isso é, não sou herdeira de uma família de negócios, não consigo traçar minha árvore genealógica até sei lá quantas gerações, nunca vou gravar um episódio de um certo podcast pedindo perdão pelos crimes dos meus avós ou coisa parecida. mas sou filha de servidores públicos que foram esquerdistas na sua vida universitária. não sou a primeira geração da minha família a ir para a universidade, mas sim, a segunda.  muitos dos livros que eu mais tenho gostado dos últimos tempos tratam da primeira geração. a tetralogia, a ernaux, o sobre a terra somos belos por um instante, por aí vai. leio esses livros e penso nos meus pais. minha mãe é do interior do ceará: nasceu no cariré, o google me informa que em 2020 a população ia lá por seus dezoito mil e poucos habitantes. ainda criança, a família se mudou para sobral, para nós, cearenses, os estados unidos de sobral. não devia ser muito assim na época. aos dezoito anos, minha mãe sai...

esse texto não vai ser legal porque estou ruim com as palavras

hoje eu falei no twitter que algo que me incomoda quando eu estou num mau período de leitura é ouvir outras pessoas falarem de livros e desejar a sensação da leitura. um mau período de leitura é um período de desconcentração: nenhum livro é terminado, começo vários, pulando de primeiras em primeiras páginas, obras distintas, lendo capítulos aleatórios quando é possível, coletâneas de ensaio nunca terminadas. é um mau período de leitura, mas apenas porque me frustra – a realidade é que ler um parágrafo de algo já é ler alguma coisa, por pior que possa parecer, dá pra ter uma ideia com um parágrafo.  mas pensar no desejo da leitura. eu sinto tanto prazer ouvindo pessoas fazerem boas elaborações sobre suas leituras. falarem dos seus interesses, da bibliografia e da biblioteca de cada um. quando escuto alguém falando coisas interessantes sobre algo que leu, ou quando escuto alguém falando de forma emocionada sobre algo que leu – essas coisas costumam se confundir, nos meus ouvidos –, e...

outros jeitos de usar a boca? não, obrigada

você tem doze anos e quer beijar o seu melhor amigo. você mentiu para o seu grupo que já tinha beijado de língua um rapaz que conheceu em sobral nas últimas férias. vicente, o nome dele. coitado. vicente era muito simpático e vocês tomaram banho de rio e ele deveria ter uns dezesseis, dezessete anos e durante um dia inteiro você se apaixonou profundamente por ele e adoraria que ao final do dia, sentados nos balanços, vicente fizesse que nem nos livros e nas fanfics que você lê e se inclinasse e segurasse seu queixo e explorasse sua boca com a língua  ou outro jargão do tipo. não foi o que aconteceu. então de volta à escola e ao seu melhor amigo e ao fato de que você nunca beijou na boca, mas ou ninguém sabe ou todo mundo desconfia que você está mentido, e ele nunca beijou na boca e todo mundo sabe. vocês começam a dar selinhos muitas vezes. é uma época importante na escola, o festival de artes e criatividade . legal. você quer saber é de beijar na boca. esse período vai fazer com q...