primeiro eu quero falar de amor
na ocasião de meu primeiro ano como professora
e a náusea
colocaram fogo em uma gameleira da cidade.
o jornal me informa que a gameleira tem mais de quarenta anos. recito no automático, apenas por hábito, ouvindo palavras-chave: quarenta-anos-e-nenhum-problema-resolvido-,-sequer-colocado.
lembro do dia em que a guerra da ucrânia foi noticiada: eu estava na sala da casa do meu namorado à época, celular na mão. as pessoas diziam na internet que de tudo na vida delas, não esperavam passar por uma guerra. lembro de pensar: meu deus, vocês não estão passando por uma guerra. ver uma guerra não é passar por ela. será que devo pedir desculpas?
em algum dia do ano passado, sonho que eu e alguns amigos invadimos israel com um plano suicida de destruir a ocupação inteira. de certa forma, um sonho de extermínio. acho imoral falar disso. às vezes, tento comentar algo sobre a sensação de impotência, incapacidade, silêncio mortificante das próprias ações. sinto que é imoral. não consigo explicar o motivo. passo trinta dos quarenta e cinco minutos do divã chorando, chorando, aos prantos, tentando falar de uma ferida que. que. não, não consigo.
colocaram fogo em uma gameleira.
quando criança, ouvir a música rosa de hiroshima era impossível.
em edifícios, crianças, homens, mulheres, gatos, cães.
escrever parece imoral. eu não devia escrever, ou eu não devia permitir que qualquer uma dessas coisas se tornasse objeto de escrita, de um blog, uma coisa tão pequena, tão mesquinha, tão pessoal. na sala de aula, em diferentes turmas, os alunos me perguntam do que é o meu broche. um broche. nada. respondo em todas as turmas, menos em uma, na qual um novato diz: palestina livre.
mais fácil falar do horror de colocar fogo em uma árvore. uma única árvore. colocar fogo em uma floresta? interesses terríveis, o fogo vai se espalhar. colocar fogo em uma árvore, uma única árvore, sem intuito de que esse fogo chegue em qualquer outro lugar que não nela. o tronco de uma gameleira. naquela única forma sólida na esquina da rua, ocupando parte da pista. é por isso? pela pista? pela calçada? insuportável assim, dividir esse espaço com uma árvore?
devo seguir até o enjoo?
sinto-me exausta na escola. dia vinte e cinco desse mês, completo um ano como professora. parece impossível estar exausta na escola. impossível? injusto. por que eu estou exausta na escola? o vídeo de uma mãe chorando com seu filho nos braços. o ódio queima, arde, consome, incendeia (como se incendeia uma gameleira). crimes da terra, como perdoá-los?
tomei parte em alguns.
toda palavra que escrevo aqui parece inadequada e impossível. uma parte de mim quer colocar esse texto no rascunho mais uma vez. tirá-lo de mim, e pronto, esse gesto é suficiente. alguns [não] achei belos, foram publicados.
respiro fundo.
soletram o mundo, sabendo que o perdem.
dentro da sala de aula: ruído.
uma aluna me pergunta sobre o broche. ergo as mãos tentando dimensionar o horror no pequeno espaço entre uma palma e outra.
a imagem da gameleira em chamas e então chamuscada. troncos transformados em cinza. o repórter observa pedaços de madeira que ainda caem.
põem fogo em tudo, exceto neles mesmos.
tenho um sonho bonito, muito mato, ruínas antigas, estou em algum lugar do sul e um amigo foi transformado em gatinho. preciso cuidar dele. fico carregando ele enquanto gatinho perto de mim. dormimos na relva, meu amigo tornado gatinho enrolado, encostado na minha barriga.
dentro da sala de aula: ruído. escrevo no quadro enquanto os alunos falam atrocidades às sete e quarenta e cinco da manhã. tento desligar minha cabeça disso. ah, sim. eu deveria interferir. concluo pela milésima vez no mês que sou uma péssima professora. uma professora insuficiente. não sei o que fazer, ou como fazer direito. preciso enfrentar o olhar debochado desses alunos toda vez que reclamo. e se eu deixar? e se eu só deixar? respiro fundo. volto-me para a sala, e reclamo.
no espaço entre as palmas das mãos, tento conter todo o horror do mundo. um aluno diz: e ninguém vai fazer nada?
que tristes são as coisas.
enquanto tudo passa rápido na estrada
parecia que esse texto já estava na sua cabeça. o dia inteiro fiquei repetindo as palavras que queria dizer. desejando que meus olhos pudessem fotografar. um monte de pipas expostas na beira da estrada. as árvores retorcidas. campos de nada. cheiro de queimado e fuligem na terra por muito, muito tempo. um cachorro morto. um pássaro de rabo bifurcado. um ciclista. mercado cebolão. devia ter anotado tudo, a única nota que tomei foi a mais óbvia de todas, olhando o mato passar diante dos meus olhos: ah, é claro. sou eu quem está passando. as árvores se mexem de outras maneiras. sou eu que estou me movendo. pensei em tantas palavras o dia inteiro. por que não escrevi nenhuma? numa vã esperança de que fosse possível remontá-las depois. minha cabeça desfeita pela rapidez de tudo. lembro de pensar: é assim que se abre uma janela? penso no gesto, quadradinho desenhado no ar, você abriu uma janela. sonhei, depois, com uma janela. décimo primeiro andar, era noite, eu olhava por ela, e a floresta entrava pela janela, pela varanda, noite adentro a floresta na sala, até que uma onda do mar quebrava ali, na janela, décimo primeiro andar, uma onda, molhando as árvores de folhas bem escuras, grandes, uma floresta do mundo antediluviano, e o mar, e a água salgada se acumulava nos meus pés. é assim que se abre uma janela? para que entre floresta e mar, ar e água salgada. meu pai, dirigindo na volta, diz para a minha mãe: bota a mão aqui. ela coloca a mão no joelho dele e faz um carinho. ele a olha, risonho, exasperado, exclama: é pra tu segurar o volante, mulher! rio à beça disso. registro duplamente o fato. meus pais são idosos, um dia desses minha mãe disse que achava que ainda viveria quinze anos bem. pensei, e penso: não, não, quinze anos é muito pouco. um-salto-de-peixe. então eles são velhos, e eu olho para os dois. eu olho para os dois. eu olho de novo. fico apavorada com o que ando sentido. tenho vontade de dizer. tenho vontade de perguntar. tenho vontade de confirmar. fui indagada: o que você quer saber? de novo, quero rir, rir muito. o que eu quero saber? o que eu quero saber. tudo. pensamento, sentimento, ideia. as coisas vão se movendo rapidamente diante dos meus olhos. vou calando um monte de palavras que querem e não querem ser ditas. palavras que morrem na barreira dos dentes. ou: i want to say something but shame prevents me. espalmo as mãos vazias, isso é um presente? um presente que não pode, não deve ser recebido, é um presente? sinto vontade de dormir. no balanço do ônibus, fecho os olhos com a cabeça no vidro da janela e a trepidação faz com que os sonhos todos tremam também. posso contar um segredo? a água do mar nos meus pés, a floresta encharcada. há dois anos atrás, o homem que eu amava me chamou de histérica. ou melhor, com alguma impaciência, sussurrou para mim: a definição da histeria é você querer uma coisa sem pedir. essa não é a definição da histeria. talvez essa não seja a exata frase. importa? o que importa? a água do mar nos pés. o homem que eu amava e que já não me amava, e que cansado do meu choro e do meu grito, dizia que a definição de histeria era o que ele achava que eu estava fazendo. eu estava pedindo, eu tenho certeza de que estava pedindo. uma floresta inteira entre pelo décimo primeiro andar. migalhas dormidas do teu pão. observar o olhar do amante se transformar no olhar de um estranho. a definição de histeria é. dois anos atrás, meu cabelo caindo, o sono todo picotado por lágrimas, a pedra no fundo do estômago, o punhal fincado nos pulmões. sendo consumida pelo incêndio dos outros. posso te contar um segredo? nos sonhos do ano seguinte ao dia em que o homem que eu amava disse a definição de histeria é (você), eu sempre perguntava: por quê? por-que-você-fez-isso-comigo. como-você-pode. a floresta entra pela janela. olho para a água do mar cobrindo meus pés. mãos estendidas, nada, nada nelas, além de tudo o que eu gostaria de poder oferecer. o incêndio agora é meu. cheiro de fuligem na estrada. fecho os olhos para preservar as flores e a espuma das ondas. é assim que se abre uma janela?
na ocasião da mudança do meu melhor amigo de infância para outro país
escrevi algo muito parecido com o que desejo escrever hoje no ano passado.
no ano passado, fiz trinta anos. pausa: li um texto de janeiro de dois mil e doze, pouco menos de um mês para eu me mudar para brasília, e o texto é para o meu melhor amigo de infância e o tempo inteiro que eu falo com ele, eu digo tu. tu tinha dito. tu diz que é. tu é meu melhor amigo. penso agora, longe dos dezessete anos, longe de fortaleza: quanta coisa a gente pode perder pelo caminho sem nem sentir. todos os meus textos são cheios de você.
no ano passado, fiz trinta anos e também um texto para ti, que faria trinta anos exatos seis meses antes de mim. fico pensando que só quero repetir tudo aquilo que já escrevi. repetindo as palavras:
eu tenho vontade de contar. eu vivo contando. eu repito a cada oportunidade. eu torço para que compreendam que não é uma saudade da adolescência ou da escola ou de qualquer coisa do tipo. digo, claro que é. no limite, é isso. mas não é exatamente assim. é que você tinha que ter estado lá para entender. eu conto essa história uma vez e mais outra e outra ainda. sempre contando. era todo o amor do mundo. você tinha que ter estado lá. tenho vontade de me corrigir. é saudade? se eu não quero voltar no tempo, é saudade ainda? me corrijo de novo. claro que é. não é mandatório da saudade o desejo de retorno. certo? eu gosto da caixa do tempo. isso está ali. intocado. aconteceu e é impossível repetir. eu imagino que eu sinta isso dessa forma porque eu fui embora. eu fui embora, é um corte. vocês continuaram, o cotidiano. não foi assim para mim. então deve ser por isso que é assim pra mim. tento me justificar. tento, à força, com marretadas, pregos, parafusos, furadeiras, canetas e lápis, reformar meu coração: você não pode ser um museu. por que eu já me achava um museu com vinte anos? vontade de rir na minha cara. por que eu já tinha saudade de tudo com quinze anos? você é maluca? tento me tornar apresentável. sorrio com sinceridade: eu também amo aqui. amo quem está aqui agora. alguém ainda quer ouvir essas coisas? acho que não.
e:
vocês ainda me aguentam ouvir falar? se vocês conseguirem, ainda, eu posso continuar falando.
e:
alguém ainda suporta ouvir essas mesmas coisas, de novo e de novo?
e:
eu espero que dê pra entender. ainda dá? se eu jogar todas essas palavras do jeito que sempre fiz — não é engraçado, meu deus, como pode eu continuar sendo uma repetição da figurinha que era, talvez só ligeiramente mais amável, menos terrível, menos irascível, mas ainda a mesma coisa, as palavras, sempre as palavras, tudo se resumindo a isso — você ainda vai entender? não sei se um dia consigo parar com isso. às vezes, quero muito parar. mas isso é mentira. eu gosto das coisas como elas são agora. mas eu gosto de ter vivido o amor como vivi. como vivemos. daqui a mais quinze anos, vou sorrir dizendo: lembra na escola? lembra nas estufas? lembra dos telefonemas? lágrimas escorrendo dos meus olhos, eu vou dizer: uma vez, no meio termo, você com dezessete e eu com dezesseis, nós nos abraçamos na saída do shopping, longamente, e eu pensei: esse é o abraço mais importante da minha vida.
volto. falo tanto de ser um disco arranhado. repetindo e repetindo as mesmas coisas, vinte palavras girando ao redor da lua. quando escrevi esse texto para [ti], escrevi sem saber que seria professora; sem saber que estaria de novo na escola, escrevi para os [t]eus trinta anos, não para a [t]ua partida. tu vai para outro país! no meu texto de dezessete anos:
– principalmente agora que eu vou embora, tu precisa de alguém que esteja perto, eu acho.
e:
Tem uma parte em que a Lyra fala algo como “e se nós encontrarmos alguém que gostamos muito, vamos ser felizes com essa pessoa e não ficar pensando como preferíamos estar um com o outro”, e é isso que significa pra mim. Que a gente vai se separar, mas a gente vai se juntar. Que a gente vai encontrar outras pessoas, que um dia talvez nós fiquemos no “oi, tudo bem?” e que exista outro alguém que saiba dos nossos segredos e das nossas vidas, mas que um dia nós existimos e significamos alguma coisa um pro outro. Alguma coisa bem grande.
olha só essas letras maiúsculas. que carta mais engraçada. olha ali aquela frase: agora que eu vou embora. eu fui embora faz tanto tempo! e agora você vai embora. agora tu vai embora. agora meu melhor amigo de infância vai embora, mas isso faz alguma diferença, se eu já fui embora, se ele mesmo já foi embora do ceará para são paulo, e não para brasília? faz alguma diferença se a distância é de quilômetros por terra ou por mar? faz diferença se a distância é de horário, temperatura, clima, idioma, culinária, árvores, pássaros? se já havia distância, muda o sabor da distância?
aos nove anos de idade, prestes a completar dez no final daquele ano, eu conheci o meu melhor amigo de infância. falar algo assim soa um pouco insano. vontade de perguntar para os meus atuais melhores amigos da escola: vocês têm amigos de infância? pessoas com quem vocês aprenderam a amar?
tu não acha isso doido, bonito? tu me disse: a gente era como uma família, quando falei sobre termos nos traumatizado mutuamente no período da adolescência. como uma família: amor, trauma. me pergunto mais uma vez: a quem interessa qualquer uma dessas coisas, além de mim? se eu falar mais uma vez disso, alguém ainda vai aguentar dançar comigo? todas as lembranças que tu já sabe de cor: estufas, mp3 vermelho, fanfics em cadernos, selinhos durante o festival, o primeiro beijo-de-língua com o coração acelerado no quarto de outro dos nossos melhores amigos (de infância, de adolescência, hoje tudo parece uma coisa só).
essa semana, a analista me disse que minha barreira entre amor romântico, paixão e amizade é muito tênue. não gosto de socializar as falas da analista. nem sei se é a minha barreira, ou só a barreira. penso em quando olhar para ti era sentir o profundo desejo de ser gostada de volta. como parecia impossível que um dia não fosse assim. que um dia eu não estivesse apaixonada. que engraçado, como é engraçado pensar nisso. hoje é quase um delírio febril: eu fui mesmo tão apaixonada assim? apaixonada, tão apaixonada pelo meu melhor amigo da escola, com suas bonitas sobrancelhas (lembro de ti espantado que as minhas eram macias e as suas, ásperas), seus olhos castanhos, mastigando as tampas das canetas, os puxadores dos zíperes. lembro das broncas que levava de outros dos nossos amigos, os conselhos de superação. lembro daquela troca de sms!, eu já em brasília, decidindo que deveríamos nos afastar e do seu email de vinte e poucos dias depois, desesperado com esse afastamento. lembro da alegria do reencontro.
pensar no meu melhor amigo de infância é também pensar nos meus melhores amigos desse tempo, meus melhores amigos de fortaleza, meus grandes amigos, meus amigos. toda vez que eu penso que faço parte de pessoas ligeiramente esquisitas da internet (eu não sou esquisita o suficiente), mas também carrego comigo meus amigos da escola, concluo: que bom que é achar as outras pessoas com suas esquisitices da época (tudo tão normal! mangás, fanfics, joguinhos, obsessões por narrativas). o que tu disse? que éramos como família? eu aprendi a amar contigo. eu aprendi a amar com vocês.
eu aprendi a amar com vocês.
durante muito tempo, foi difícil fazer amizades em brasília. eu era tímida e ninguém era bom o bastante: eu tinha tido o melhor da vida inteira, da vida inteira até os dezessete anos. agora eu amo tantas pessoas! eu amo até pessoas novas. eu amo até novos melhores amigos da escola, do outro lado da sala. eu amo até, eu amo até. aquele rapaz, moço, homem, que era meu melhor amigo na infância, na adolescência, vai se mudar para outro país. isso altera profundamente tudo na minha vida, sem que nada perto de mim se mova. tu já está longe. e vai para mais longe. e aí, do nosso grupinho, temos pessoas em fortaleza, em natal, em são paulo, em brasília, em barcelona. o mundo é sempre gente se espalhando.
eu quero dizer: boa viagem. e quero dizer: até breve. e: boa estadia, boa vida, boa morada, bons sonhos, bons beijos, paisagens, sons de pássaros, chuva na rua, chaves esquecidas, bons sonhos, boas saudades de casa, daqui, de fortaleza, boa construção de casa, de lar, bons dias, bons alimentos, tudo, sempre tudo, tudo, tudo, do melhor, do melhor possível. eu vou sentir sempre saudade, e eu sempre vou ser feliz: porque tu me ensinou a amar.
doce, amargo
caminho pela cidade com passos amargurados e os pulmões em chamas. nem é o ar mais seco que já tentei respirar. cada passada um esforço tremendo. bate um vento forte e devastador. bate um sol forte e devastador. de noite, no deserto, fará frio. meu corpo não pode nem suar. penso em um desejo interrompido porque sou tola, penso em um desejo continuado porque fui tola. a boca engole o ar ressecado. a boca: ressecada. encontro ossos nas ruas, coloco-os nos bolsos. encontro folhas mortas, coloco-as nos bolsos. às vezes, acho horrível a colocação pronominal. coloco eles, coloco elas, não soa melhor? canso de ter que inventar palavras, também não consigo mais inventar palavras (inventá-las, no entanto, soa mais bonito do que inventar elas). minha voz sobe arranhando minha garganta, não aguento mais falar. os sons me deixam tonta, não aguento mais ouvir. ponho um seixo na boca e assim torço para selar meu silêncio. vontade de desaparecer, vontade de não ter mais que responder a nada, vontade de dormir dias a fio, de ir embora. com os calcanhares feridos, concluo que esse caminho já não se desvela debaixo dos meus pés. a angústia rói as bordas das minhas costelas. constantemente rio da minha própria cara, todo esse exagero, como se eu não tivesse sorrido, rido, cantarolado. como se, como se. sinto que perdi qualquer coisa irrecuperável. não aguento mais lições de reconstrução, os pedaços não encaixam mais. depois, vão tentar me explicar, mais uma fastidiosa vez, que os pedaços não vão mesmo mais encaixar, que eu posso fazer algo bonito desse desalinho, que bom mesmo não é reconstruir nada, mas construir o novo com fios de ouro. sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde. ossos e folhas mortas, eu também um sorriso morto de palavras mortas. perto de mim e muito distante, canta um pássaro.
mercúrio ardente
você está completando trinta anos e em breve eu começo a viagem para perto de você. chego no final da data, mas chego. em dois mil e catorze, cheguei um dia depois do seu aniversário de dezenove anos. no dia do aniversário, você nadou até um barco muito longe no mar. fiquei impressionada com isso à época, fico impressionada até agora. você é miudinha, em tamanho físico, embora imensa em todo o resto. penso nos seus braços magros vencendo as ondas. penso no cansaço e na glória de tudo. eu amo o mar, e temo. não consigo me afastar muito da costa, da areia, quando os pés começam a flutuar demais já sou tomada por um grande pânico. por conta de todas as histórias do litoral esburacado de fortaleza, talvez. estar em segurança e um segundo depois, não estar mais. talvez não seja nada disso, nada além de medo e receio dessa imensidão misteriosa, alerta, calma, violenta e, acima de tudo, indiferente. eu carrego o mar no nome e no sol, você é toda feita de ar e chuva, mutável, quem sabe por isso menos medrosa, ou já aprendeu desde muito, muito pequena que não adiantava o medo. penso em você completando dezenove anos e cruzando as ondas. penso em como deve ter sido o caminho de volta, o ardor nos braços ao enfim chegar na areia. penso que já faz onze anos disso, e que nos encontramos em outros lugares depois, todos mundo longe do mar. você está completando trinta anos. como era a conta? você me conheceu um ano antes de eu te conhecer, então você está há quinze anos comigo? e eu há catorze com você. conta injusta, queria ter conhecido antes, quinze anos, dezesseis, dezessete, quem sabe. ainda assim, todos esses anos, uma carregando a outra no coração e na ideia. olha só, a gente cresceu e não é mais adolescente. isso já é verdade há tanto tempo, e agora parece ainda mais verdade, os trinta anos. você, com trinta anos. ó pra isso! penso nos seus olhinhos, sempre seus olhinhos lindos, sanpaku? falávamos dos olhos de tragédia, os três brancos, olhos que anunciavam alguma dor. e também seus olhinhos de ressaca, capitu de mãos dadas com maria serafina. sem tragédias e sem tragadas, penso nos seus olhinhos com amor e com carinho, eles lindos, você linda, a sua voz, o jeito que suas mãos mexem no cabelo enquanto você me conta algo. estar ficando maluca e não estar ficando maluca. ser e não ser maluca. sinto sua falta o tempo todo e te amo o tempo todo, amo tanto que basta pensar um pouco no amor que meus olhinhos pequenos e sem dramas adicionais se enchem de lágrimas. eu amo você, eu amo você. tenho vontade de ser um lugar seguro, um beijo nos joelhos, um abraço forte, um refúgio, um respiro, um carinho. você está completando trinta anos hoje, trinta anos! imagine só. continuaremos andando juntinhas, coalinhas dormindo nas costas uma da outra. sempre ligadas, ainda que distantes. ansiosa pelos próximos dez, pelos próximos vinte, trinta anos, e conhecer você, e reconhecer você, e estar sempre na expectativa real de que vou te ver ainda mais uma vez. feliz aniversário, minha amor, o que mais eu poderia fazer se não uma viagem até você e um post de blog? as coisas que são tão nós. os caminhos e as palavras, que começam e a gente nem sabe pra onde vão, mas sabemos algumas das coisas que vamos encontrar. seus olhinhos nos meus e suas mãos nas minhas. te amo para sempre, para sempre.
o esforço de dizer
na ocasião de meu primeiro ano como professora
vou escrever em uma folha de papel o nome de todos os meus alunos desse ano. penso isso ao longo das últimas semanas quase obsessivamente. e...
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sim, eu continuo no tópico da beleza. ou da aparência. ou qualquer coisa assim. queria que essa não fosse uma preocupação constante, mas sen...
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quando comecei esse blog, escrevia como forma de fugir da escrita da dissertação. parece uma loucura que eu tenha defendido a dissertação. c...
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meu amigo pedro me enviou um poema do frank o'hara como consolo por eu falar tanto das mesmas coisas o tempo todo. eu posso ser perdoada...