poeta, escuto a voz de lorca modulada pela de cohen modulada pela sua. penso que preciso prestar atenção, prestar toda atenção do mundo. i gave her something pretty, ele-ele-você diz, and i waited until she laughed. momentos depois de outra coisa, eu rio, você ri com a invenção de orfeu debaixo do braço. poeta, eu existo na sua risada. pelo resto da noite, fico impressionada pela confluência das três vozes, como três planetas alinhados, como um eclipse total do sol. tantas vezes na minha vida sou assolada pela dúvida diante dos meus olhos: eu posso ver tudo isso e sair impune? eles me respondem com a precisão que me falta: é claro que não. você nunca sai impune. sinto vontade de perguntar se você sentiu que era importante também, e desisto. perguntar é caçar uma verdade que não precisa muito para ser encontrada. poeta, eu não sirvo para musa. é preciso, novamente, praticar uma inversão. coloco você nessa posição, as palavras são minhas, oriento o olhar dos outros. se pudesse escolher uma só parte de sua anatomia para transformar em soneto, você já sabe, seriam as mãos. olho para elas com o prazer que olharia para um grande felino antes de encontrar o fim em seus dentes, para um raio partindo o céu ao meio, para as cores brilhantes de uma cobra coral, para um imenso galho de árvore prestes a despencar. na imaginação, sempre aceito morrer com imensa docilidade: atropelada porque distraída com a música no fone de ouvido; diante de um animal selvagem; debaixo do seu olhar. tudo me mata, e deliciosamente. coloco minha mão sobre seu braço apenas para ter certeza de que ainda não chegou a hora de ser abocanhada e não tenho certeza alguma. quero antecipar seus passos e seus gestos, quero adivinhar o jeito que suas mãos vão acompanhar sua fala. quando você diz algo, seu corpo inteiro se move junto. quando você canta, quando você dança. digo: você se mexe tão bonito, e você dispensa o elogio com uma piada. suas mãos vão de um lado para o outro, os ombros, as pernas, o mundo todo uma impossível pista de dança. quero entrar na dança, não consigo: palavras que morrem atrás dos dentes, passos que ficam congelados no tempo. você faz do meu corpo a imitação de um instrumento musical: cordas e teclas nos meus braços e ombros, o ritmo de todas as músicas que escutamos transformado em tato, e eu gosto. poeta, coloca seus dedos na minha boca, seu dente na minha ferida, sua língua misturada a minha. sinto desejo de consumir, abocanhar, devorar. você resolve minha vontade de me tornar monstro. conseguiria incendiar tudo apenas com a chama da minha ideia. sinto um prazer imenso quando você me ordena: lê. quando você diz: eu quero que você leia. tanto prazer com as palavras. tanto prazer com o caminho que você me revela tortuoso pelas suas palavras, que até a angústia se torna doméstica, ronronando no meu peito. tanto prazer com as suas palavras e prazer com as minhas quando você as escuta, distraidamente atento. olho para você e é como estar diante: do mar, duma cidade, duma pedra, duma refeição, dum pássaro, dum polvo, dum besouro, dum gato. duma música. é como estar diante de uma música. o amor, a pergunta: como posso engolir o meu amante?, e rio, poeta, porque sei que você jamais seria engolido por mim, apesar do meu desejo. sou eu que estou entre os seus dentes – e isso quase não tem importância alguma. peço que você beije os meus joelhos e imagino o gesto como uma espécie de bênção: assim você também pode me ensinar a partir.
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