domingo à noite dá vontade de roer o braço

isso aqui é um diário, certo? fico repetindo isso para mim mesma. um diário público, logo, não exatamente o melhor dos diários. mas um diário no sentido de lugar em que anoto as sensações e os pensamentos de um momento. mesmo com falta de detalhes. 

estou angustiada! 

escrever é, dentre tantas coisas, uma tentativa de elaboração da angústia. não quero ter que resolver a angústia andando com uma corda no bolso. essa não é uma piada sobre suicídio. estou tão angustiada que estou me vendo na necessidade de explicar piadas. 

o mestrado está na reta final. na reta final apenas no pior dos significados: o tempo está acabando, os meses estão correndo, eu nunca vi os dias correrem tão rápido. meu texto não está acabando, ele também não corre rápido, ele se enrola nele mesmo, demora, hesita. isso é enlouquecedor. parece que estou esperando pelo impossível milagre do dia em que vou sentar na frente do computador e as ideias que estão na minha cabeça vão sair perfeitamente ordenadas, com todas as referências ideais. gostaria de incluir "risos" ao final desse parágrafo. risos. 

na falta do milagre, todos os dias eu abro o word e ou não escrevo nada ou escrevo uma linha ou três ou meio parágrafo. reli o vênus em dois atos anteontem, que texto sensacional. aí meu meio parágrafo foi um pouco no sentido de mostrar que o que a hartman faz é de uma ética tão forte, e comparar com outra ética possível, ou impossível, da ficção do meu objeto. é engraçado porque eu quase escrevo "a autora dessa obra não consegue chegar onde a hartman chega". na verdade, eu escrevi isso, mas depois de ler o vidas rebeldes, belos experimentos. o livro que eu pesquiso fracassa. estou tentando defender uma espécie de beleza nesse fracasso. mas também raiva. e também dor. 

tenho passado por processos de... que palavra eu posso usar aqui? vou tentar começar de novo. passei a infância e a adolescência sendo feia. como disse a ligia diniz, pouco importa se sendo feia de fato ou não: eu era horrorosa dentro da minha cabeça, na internet eu podia ser só palavrinhas, aprendi a ordenar as palavrinhas de uma forma que eu jamais seria, ou seja, deixá-las bonitas. 

meus vinte anos foram, dentre outras coisas, um caminho de parar de me achar feia. o que não significa me achar bonita. na maior parte do tempo, não me acho nada. na segunda maior parte do tempo, me acho feia, mas estou bem com isso. às vezes, me acho bonita. no ângulo certo. sempre eu segurando a câmera. entro em pânico quando outra pessoa quer tirar uma foto de mim. nunca sei o que fazer. meu primeiro impulso é sempre cobrir o rosto. às vezes, sinto uma espécie de prazer perverso em me achar feia e ainda assim me achar fascinante e desejável, uma vontade de esfregar na cara (de quem?): viu, eu sou feia, sou gorda, tenho olhos minúsculos e dentes menores ainda, mas gente feia também transa e também fascina, gente feia também enche a boca de outras pessoas. acho isso meio engraçado. meio bobo. meio qualquer coisa. 

ah, o processo. como eu disse: para além da aparência, eu devo ser bem pouco humilde. eu acho que sou bastante legal. gosto da minha companhia. menos quando estou angustiada. e agora estou angustiada. e sinto que minha companhia é tenebrosa e que ninguém deveria me suportar falando sobre nada – não que não suportam. as pessoas são muito abertas comigo. eu tenho amizades muito boas. quando eu estou angustiada, sinto que não as mereço. quando eu não estou angustiada, só consigo pensar o óbvio: como eu sou feliz e como as amo e como é bom saber que sou amada de volta. 

qual o processo? falei que eu era pouco humilde. deve ser um processo de ficar humilde. estou falhando na dissertação. estou falhando em me sentir desejável, feia ou não. estou falhando em pensar em falar com meus amigos, porque eu nem devo ter o que falar, ou o que eu tenho a falar é isso que está aqui e isso é chato e cansativo e todo mundo já sabe. 

uma coisa muito bonita que me aconteceu, no ensino médio, de todos os lugares, foi um rapaz, fernando, que era um colega, alguém que eu via, esbarrava, não era um Amigo, uma pessoa próxima. uma vez estávamos na fila da secretaria, eu atrás dele, ele se virou, colocou as mãos no meu rosto e disse: "morgana, você é bonita". ele não deve lembrar disso, e eu já contei essa história pelo menos um milhão de vezes. me parece uma loucura, viver um momento tão terno com outro adolescente, com um menino adolescente que não era próximo de mim. 

sinto que vivo tentando recriar essa sensação. viver a pele do fernando nesse momento. pura generosidade e atenção. é bobo que eu lembre disso com tanto carinho? foi um rasgo na minha adolescência feia. o mais engraçado, claro, é que minhas amizades me diziam que eu era bonita. mas a palavra de quem nos ama, embora a única que realmente importa, vale muito pouco nesse quesito, especialmente com quinze anos. você me acha bonita porque você me ama!, eu dizia. e tem forma melhor de ser vista como bonita? a beleza que acompanha o amor, o amor que acompanha a beleza. 

fico angustiada e venho escrever e consigo respirar fundo um pouco. amanhã tento a dissertação de novo. as noites de domingo são muito perigosas. 

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