minha garganta está horrível pela amplitude térmica enfrentada num mesmo dia
estou decidida a ir embora de brasília.
essa decisão não é nada súbita. é uma decisão para daqui a dois anos, ou talvez até mesmo quatro, dependendo do andamento do doutorado (sim, é pra rir mesmo: mal dou conta da dissertação e já estou pensando nisso). é para daqui a tanto tempo que é um bom tempo de preparação e planejamento, e também tempo suficiente para que no fim das contas eu nem vá embora de brasília por uma razão ou por outra. enfim, é um plano esquisito. um plano que tinha sumido dos meus pensamentos.
antes, preciso fazer uma recapitulação.
vim para brasília com dezessete anos. fevereiro de 2012. quando eu morava em fortaleza, vivia falando sobre ir embora. era fascinada por isso. em um dos meus cadernos, havia a história de uma menina que ia estudar letras em ouro preto, saída do ceará, sozinha, indo morar em uma república com todo tipo de universitário divertido. um pouco diferente de ir estudar direito em brasília morando com seus pais. mas ainda assim, havia algum ideal sobre partir. eu parti. foi terrível. é até engraçado olhar para trás agora, após o efeito anestesiante do tempo: como pode ter sido tão terrível? isso pode parecer chocante, mas eu era tão tímida que não conseguia sair da sala para fazer xixi ou comprar algo pra comer. tinha vergonha de ser vista me movendo. ao mesmo tempo, não tinha vergonha de achar todo mundo da minha sala um bando de reacionários estúpidos e brigar com eles em quase todas as aulas, sempre fazendo questão de registrar em voz alta que todos seriam péssimas aquisições para o já tenebroso mundo jurídico. então talvez por isso fosse terrível. (observação: adicionar "risos" ao final do parágrafo).
eu sentia, quando em brasília, que minha vida estava suspensa. quero dizer: minha vida era em fortaleza, quando eu ia lá nas férias, e em brasília... em brasília, os dias eram embaçados. eu não devo ter tentado direito cultivar uma boa vida aqui assim que cheguei. ou eu tentei do jeito que dava na época e não consegui. poucas pessoas legais. e, como eu disse, eu era tímida. no final de 2013, arranjei alguns amigos pra fazer, mas era uma amizade esquisita, em que eu constantemente me sentia não exatamente bem. não durei muito com esses amigos. eu tinha uma conta no twitter feita em 2009, mas em 2013 realmente comecei a usá-la. uma informação fundamental para como se desenvolveu minha personalidade a partir dos dezenove anos.
sentir que minha vida era em fortaleza e que em brasília eu estava apenas passando (ou perdendo) tempo, obviamente, não era algo que funcionaria a longo prazo. eu ia visitar meus amigos no ceará e a vida deles de fato era lá, e o contraste me fazia perceber com susto que a minha não. ela agora não parecia ser em lugar algum. a partir de 2014, as idas à fortaleza eram mais escassas. eu também fiz três (!) amigas no curso de direito. luísa, juliany e ana paula. juliany é uma pessoa queridíssima com quem eu raramente falo, mas por quem eu ainda tenho muito carinho. luísa é uma desgraçada que eu espero que tenha uma vida triste e miserável e tão minúscula quanto ela (sentimentos positivos aqui!). e ana paula é alguém com quem eu ainda converso de vez em quando, e que amo, e que me diverte demais. mas eu constantemente falava, na análise, que embora as amasse muito e ficasse feliz, era como se houvesse uma barreira entre nós. eu não sabia o que. talvez uma resistência minha, mesmo. talvez porque eu não tivesse como falar de fanfics e sonhar em beijar personagens na boca com elas. nunca se sabe.
a sensação era de rejeição mútua. cheguei em brasília de coração aberto, talvez a cidade estivesse de coração aberto para mim, também (afinal, depois esteve), mas nos estranhamos. nós nunca vamos dar certo, querida, eu diria para brasília. a ideia de ir embora era constante. em 2015, minha vida ficou obsessivamente online. mas pelo menos eu conheci a marina. sinto que estou sendo injusta com meu amigo andré vinicius, que eu conhecia porque se apaixonou pela minha escrita via blog da adolescência e com quem eu vivi uma história trágica e engraçada aos dezesseis anos. faço uma pausa, olhando esses parágrafos todos: para que entrar em tantos detalhes sobre catorze anos de vida em brasília? e aí sorrio satisfeita comigo mesma, pensando: ah, tá. isso é só mais um textinho de diário. deixa de ser doida. andré vinicius, eu amo você, caso você esteja lendo isso. mas as coisas eram estranhas! você sabe como eram.
em 2016, duas coisas muito importantes aconteceram: eu terminei a faculdade de direito e entrei na faculdade de letras. isso é uma coisa. a outra coisa é que uma pessoa chamada mercúrio barros também entrou em letras na unb, em 2016. para falar de mercúrio, eu teria que escrever muitas e muitas páginas. ela me conheceu em 2010; também apaixonada pela minha escrita no meu blog da adolescência. engraçada a repetição desse tema, que ela inaugurou. eu a conheci em 2011, quando ela falou comigo fora do anonimato. eu pisei terrivelmente na bola com mercúrio, no período em que ela morou em brasília. está tudo explicado e resolvido, mas ainda assim, constantemente tenho a sensação de que poderia ter começado a amar a cidade ali, quando ela estava nela. não foi o que aconteceu.
acho que eu e marina começamos a ficar mesmo próximas em 2017, mas foi em 2019 que tudo pareceu mais firme, mais estabelecido. a marina fazia faculdade em goiânia, então eu a via muito esporadicamente. em 2017, fiquei amiga de um rapaz chamado gabriel, foi uma linda amizade, brigamos terrivelmente ao final. em 2019, conheci os avalovarers, matheus, karol e gabi, além da luciana, professora tornada amiga, e aí tudo fez sentido. em 2020, mandei um áudio pra uma taróloga do twitter, a sacha, e hoje eu a amo. e aí depois, eu não sei, algo destravou, algo que, claro, bem, houve a pandemia. mas antes da pandemia, eu disse aos meus avalovarers que era a primeira vez que eu ia pra unb tendo pessoas que amo pra reencontrar.
a unb também é importante. eu amo a unb. eu amo estar na unb, queria poder passar o dia inteiro lá. tudo fica meio misturado: é claro que brasília começou a mudar quando eu comecei a amar pessoas e lugares, e amar algo além do céu tão obviamente bonito daqui, amar as árvores, amar caminhar entre as quadras. com um processo de fogo lentíssimo, a cidade se descortinava diante dos meus olhos. rafaela, pedro, camile, ludimila, breno, ana cláudia, lucas salomão, danna, dan, mayara, lenio, joão, bernardo, gabriel, anna beatriz, marianna, carol. até meu amigo gabriel cameio, amigo desde 2017 no twitter, veio morar aqui, por amor. do nada, mas lentamente, a cidade cheia de pessoas que eu amo, eu amo, eu amo. contando uma história para o cameio, narrando dos meus amigos, ele dizendo: são amigos demais. são amigos demais! meu deus. eu agradeço.
essa parte ficou toda misturada. é que antes tudo era tão terrivelmente parado e tão distante de mim que é muito mais fácil separar em parágrafos, explicar ordenadamente. se eu quiser, eu explico como cada uma dessas pessoas chegou na minha vida. mas eu não preciso, eu gosto da parte misturada, e parecer que foi súbito, que tudo chegou de uma vez, que 2019 abriu uma espécie de portal feito pela proximidade de passar seis horas sentada num café com a marina e ler avalovara com pessoas desconhecidas que se tornaram pessoas tão amadas.
esse texto é um texto de amor esquisito pra brasília. porque eu vou embora e não quero fazer uma homenagem só quando eu for embora. porque eu nunca escrevi pra brasília e porque eu sempre escrevo sobre fortaleza. porque brasília é uma cidade difícil, mas é a cidade em que me tornei adulta. cheguei aqui com dezessete anos, daqui a uns meses farei trinta. eu aprendi a ser adulta aqui. eu me tornei essa que eu sou agora por um monte de fatores, e um deles é brasília. escrevo tanto sobre os meus amigos de fortaleza, sobre como eles me formaram, sobre como muito do que eu sou no sentido mais fundamental é graças a eles. nunca escrevi sobre como amo, como amo e sou grata, e amo e sou moldada, e amo e espero tanto pelo próximo encontro, o próximo bar, o próximo café, o próximo esbarrão com os amigos daqui.
antes, quando pensava sobre ir embora de brasília, isso vinha de uma rejeição enorme da cidade. uma cidade em que eu jamais poderia ser feliz. uma cidade em que eu jamais encontraria pessoas pra amar, pessoas que me amassem. é tão bom que isso não seja verdade. brasília me ensinou outras formas de amor. como custou, e como agora parece estar em todo lugar.
é engraçado que eu aprendi a ser sozinha aqui. realmente só, de um jeito dolorido. agora é outra coisa. eu até sei fazer as coisas sozinha, ainda. mas prefiro não. e tem quem venha comigo.
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