ontem eu resolvi reler avalovara.
ontem também, no meio da leitura de suas primeiras páginas, fui acometida pela lembrança da música assum branco: quando ouvi o teu cantar, me lembrei nem sei do que. me senti tão só, tão feliz, tão só. só e junto de você.
eu sinto vontade de digitar essas palavras de novo. realmente digitá-las, não só copiar e colar aqui. me senti tão só, tão feliz, tão só. só e junto de você. apertei outra vez todas essas letras. sinto que esses versos comunicam algo que é e não é secreto. que é e não é evidente. que pode e não pode ser dito de outra forma. tão-feliz-tão-só. só-e-junto-de-você.
avalovara é o meu livro de amor. eu amo muitos livros. eu amo os livros. é engraçado isso, amar os livros. parece bobo e tem que ser bobo. parece sério e tem que ser sério. é a grande bobagem da minha vida, e eu a levei a ferro e fogo. posso fazer uma rememoração dos livros na minha vida, vou evitar. se você não é novo aqui (aqui, o blog; aqui, a ordenação do meu pensamento), deve saber que as coisas me emocionam. fatidicamente, as coisas me emocionam. inevitavelmente. às vezes eu canso, às vezes não. quando falo de avalovara, não espero que outras pessoas amem esse livro. ele se sustenta sozinho, é óbvio. ele não precisa de mim, é bem o contrário. é que minha relação com ele me parece uma outra coisa. uma outra coisa inclusive em comparação a minha relação com outros livros. é como se esse livro existisse de uma maneira completamente diversa para mim. no geral, quando falo de grande sertão com pessoas que não leram, a expectativa é quase de: preciso que você sinta isso também. não é o caso com avalovara. algo será sentido, até mesmo tédio. mas não será também.
ontem, lendo, fui tomada por uma melancolia enorme. pensei no ano de 2019, seis anos atrás. tentei lembrar de como eu era com vinte e quatro anos. o que eu sentia? como me movia no mundo? sentia ainda muita falta de fortaleza. sentia muita falta dos amigos de fortaleza. minha amiga marina ainda morava em goiânia, a gente se via só de vez em quando. sentia falta de um amigo que tinha feito e perdido dois anos antes. sentia falta de mercúrio, que tinha morado um pouco em brasília e eu não tinha aproveitado a dádiva. em uma aula no último horário da noite, uma professora deslumbrante começou a falar desse livro que eu nunca tinha ouvido falar antes. ela falava com paixão profunda. eu pensei: eu quero sentir isso também. fiz um tweet de brincadeira: alguém quer me dar um livro chamado avalovara? minha amiga mary, que não pode ver uma dessas, prontamente o comprou pra mim. mas a leitura só viria no segundo semestre daquele ano, quando a professora montou um clube do livro de alunos interessados (após muita insistência minha e de um menino daquela aula que perguntou, na cara dura, se eu tinha twitter. eu nem consegui negar. matheus, eu te amo).
minha primeira leitura de avalovara se estendeu por mais de um ano, porque o clube do livro virou um grupo de amigos e a gente conversava mais do que lia. matheus, karol, gabi, luciana: eu amo vocês. eu amo todos os nossos encontros, os livros em cima da mesa dividindo espaço com bolinhas de queijo, café, chopps, nossas mãos agitadas, nossas vozes sobrepostas em mil assuntos, mil vezes a pergunta "vamos tentar ler um pouquinho?", não ler um pouquinho. o prazer de sentir que estava fazendo amigos assim, ao vivo, em tempo real, semanalmente, aquelas palavras do osman costurando a gente juntos. veio a pandemia e líamos o livro por chamadas de vídeo. avalovara fez um feitiço de amor para mim. passar mais de um ano lendo um livro que me obcecava a cada palavra foi diferente. geralmente, eu engulo tudo de uma vez. consumo as coisas rápido demais. com ele não foi assim. e não só foi devagar. foi junto.
em novembro de 2020, mesmo mês que terminei a leitura, me deparei pela primeira vez com o alma-de-gato da árvore da frente do meu quarto. que pode não ser o mesmo, e pode ser sempre o mesmo, e com sua imensa cauda bem que poderia ser um avalovara. é importante e fundamental que o avalovara seja um pássaro.
a segunda leitura foi rápida. o começo de 2021. li cada frase copiando e colando de um pdf em um arquivo para que meu amigo cordeiro pudesse criar o avalobot no twitter. um arquivo imenso, o livro inteiro separadinho de maneira a caber no limite de caracteres. ainda no começo de 2021, com outro clube do livro. dessa vez, eu seria a guia da leitura. que engraçado. lembro com carinho desse clube, benji, água, cameio, kini. as conversas pelo discord no domingo à noite. no mesmo ano, meu ex-namorado me mandou uma mensagem anônima falando sobre meu vídeo de avalovara (na época, ele não era ex-namorado, claro. nem namorado ainda). penso nele lendo avalovara para chegar perto do meu coração. ele lia e me comentava coisas, passagens. primeiro por mensagem, depois ao vivo. lembro de ele ter guardado o final para ler comigo. ele me levou até o martinelli. lembro de lermos o final juntos, no aeroporto de congonhas, terminando o livro minutos antes do meu voo de volta pra brasília. passei três anos sem reler avalovara, mas nunca desvinculada dele. meu prazer era abri-lo pra reler as mesmas passagens uma vez e mais outra. tantos trechos lidos repetidamente. em tempos recentes, um homem parou de me beijar para dizer que estava começando avalovara e por ter visto tanto o símbolo da personagem a que chamamos de tantas possíveis formas tatuado no meu colo, a imaginava com a minha aparência. fiz a única coisa possível diante dessas palavras e, claro, voltei a beijá-lo.
como sentir isso também, se quando eu abro o livro ele não é apenas o livro, mas esse monte de gente, um monte de amor, um monte de saudade? e também: não são muitos dos livros exatamente isso? ricardo piglia ou emilio renzi escrevendo em seu diário que se recordava dos livros importantes não pelo conteúdo, mas dele mesmo enquanto os lia. osman lins escreve: avalovara, o pássaro do meu contentamento. o que mais eu posso dizer se ele já colocou aí todas as palavras? o livro do meu contentamento. abro o livro, uma porção de vozes saltam. as de dentro dele, as de fora dele. tudo misturado. abro o livro e ele tem um monte de beijos, os dele e os meus. minhas lágrimas unidas a todas as lágrimas dele. nossos apaixonamentos juntos. nossas raivas coladas. eu vivi muito com esse livro do meu lado. me senti tão só, tão feliz, tão só. só e junto de você. como é possível que existam esses versos que traduzem tão bem uma relação possível com a leitura, e com o mundo? olhar as páginas do livro, olhar as árvores. tão só e junto de você. não tenho medo de concluir, no final, o contrário do que falei no início: talvez você sinta isso também, só não com esse livro. talvez você sinta isso também com esse livro.
eu sinto que sou muito aberta às experiências das outras pessoas. de leitura, sim, e de todo o resto. eu gosto de saber. eu tento entender. de vez em quando, eu entendo. então eu entendo que em alguns momentos o livro possa ser maçante, que ele possa causar angústia, que ele possa causar algum tipo de temor da incompreensão. e ao mesmo tempo, esse livro, os livros, são tão mais do que isso. não? algumas vezes? como é que a gente faz amigos? o que é que nos vincula tanto a outras pessoas? fazer amigos, se apaixonar, estar perto. um monte de palavras. eu sinto vontade que as pessoas leiam avalovara porque mais do que tudo, eu acho bonito. eu sinto vontade que os meus alunos leiam qualquer coisa porque queria que eles encontrassem essas formas doidas de beleza. obsessivas. essa coisa que coloca as palavras de outras pessoas diante da gente e refaz nosso pensamento. o desejo de que todo mundo possa sentir, também, como a música: tão só, tão feliz, tão só, só e junto de você.
eu gosto muito do jeito como você escreve.
ResponderExcluirpor mais que a vida nos afaste em vários aspectos, fico feliz em te ler. sinto que você tem sentimentos que se organizam tão bem na forma escrita que seria quase um crime se você não escrevesse. você passa a sua paixão de um jeito tão bonito pelas palavras, que dá vontade de ler junto, de sentir a mesma coisa. eu sempre comento que a melhor forma de querer consumir alguma coisa é ouvir alguém falando daquilo com espanto, admiração, apego, amor; acho que você tem muito disso.
espero que você esteja bem. É volte sempre a escreversuas palavras foram feitas pra ganhar o mundo, morgana.
beijos com carinho <3
oh, arantxa, que coisa mas inesperada no meu dia, e também muito alegre. muito obrigada por esse comentário, as palavras, a disposição em falar... fiquei muito surpresa e muito feliz. espero que você esteja bem também. beijos ♥
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