esse texto não vai ser legal porque estou ruim com as palavras

hoje eu falei no twitter que algo que me incomoda quando eu estou num mau período de leitura é ouvir outras pessoas falarem de livros e desejar a sensação da leitura. um mau período de leitura é um período de desconcentração: nenhum livro é terminado, começo vários, pulando de primeiras em primeiras páginas, obras distintas, lendo capítulos aleatórios quando é possível, coletâneas de ensaio nunca terminadas. é um mau período de leitura, mas apenas porque me frustra – a realidade é que ler um parágrafo de algo já é ler alguma coisa, por pior que possa parecer, dá pra ter uma ideia com um parágrafo. 

mas pensar no desejo da leitura. eu sinto tanto prazer ouvindo pessoas fazerem boas elaborações sobre suas leituras. falarem dos seus interesses, da bibliografia e da biblioteca de cada um. quando escuto alguém falando coisas interessantes sobre algo que leu, ou quando escuto alguém falando de forma emocionada sobre algo que leu – essas coisas costumam se confundir, nos meus ouvidos –, eu sinto o desejo de ler para compartilhar isso. o desejo de sentir isso também, como eu coloquei na minha monografia. sentir isso também pode ser com o mesmo livro: não é essa uma das formas de se chegar nas nossas leituras? a trama de indicações dos amigos ou professores ou outras pessoas em quem confiamos. a trama da curiosidade. mas sentir isso também pode ser simplesmente sentir o prazer de pensar diante de um texto. 

o que eu vou dizer vai soar engraçado, mas eu gosto muito de pensar. eu gosto especialmente de pensar sobre leitura e literatura, de pensar sobre sala de aula e professores, mas no geral é isso, gosto de pensar. sinto que penso enquanto escrevo. comecei a escrever isso como faço quando falo em sala de aula: sem saber como vai terminar, se é que vai terminar, se é que eu não vou só abruptamente parar. eu vivo preocupada: será que eu sei pensar?, quando estou pensando, apenas. quando eu começo a escrever, eu consigo acompanha o fio da ideia. é engraçado. escrever, ordenar os pensamentos, ou ao menos elencá-los. e as coisas podem só parar abruptamente porque nada aqui é definitivo. eu estou só tentando pensar. 

eu tenho vontade de perguntar, e tenho perguntado, para as pessoas: o que é uma boa aula de literatura pra você? o que é um bom professor de literatura? quais são seus exemplos positivos de sala de aula? e os ruins? – fico curiosa com o parâmetro dos outros, quero entender o que acontece em aulas de literatura na universidade, o que faz com que alguns professores consigam uma turma atenta e participativa e que lê tudo, o que faz com que alguns professores não consigam algo disso ou nada disso. são os alunos? são os professores? as aulas boas são uma conjunção cósmica e rara? tem um pouco de sorte na jogada, como em tudo, e um pouco de prática, como em tudo? 

não sei! 

um dia, na unb, vi o paulo henriques britto falando de poesia. eu me dei conta ali que qualquer outra pessoa fazendo o que ele estava fazendo poderia ser detestável. ele estava decompondo o poema e nos apresentando o poema decomposto: no slide, cinco colunas categorizavam coisas que eu sequer lembro. as rimas internas, o padrão de rimas, e por aí além. a coisa é que ele estava deslumbrado com aquilo. dava pra ver a empolgação em esmiuçar um poema daquele jeito. eu estava deslumbrada com ele. eu nunca pensaria naquilo. eu nunca tentaria reproduzir isso – seria um porre. funcionou porque era ele. 

penso na professora que eu amo. queria entender esse amor. correndo o risco de soar absurda, li o capítulo chamado paulo freire do ensinando a transgredir e chorei um pouco. não pela bell hooks falando do paulo freire, não só isso, mas por... bem... ver na bell hooks o reflexo da admiração que tenho pela professora que eu amo. a forma como ela fala do paulo freire pareceu tão próxima de mim. algo que sei que amo na professora é que eu percebo que ela pensa. que, durante a aula, ela está considerando, cogitando, ouvindo, ficando em dúvida. ela é uma grande partidária da dúvida. uma professora universitária sem certezas. abandonou o hábito de ser categórica. acho que isso me encanta: ver o pensamento, ver a consideração, ver a dúvida, ver a possibilidade. saber que ainda podemos nos encher de reticências e pontos de interrogação. 

de volta à leitura. quando estava lendo detetives selvagens, ficava impressionada com o que estava acontecendo, queria me tornar meu próprio objeto de estudo (será que não estou sempre fazendo isso? sou egocêntrica. observo os fenômenos em mim mesma e penso sobre eles). como era possível que a leitura estivesse me fazendo sentir o deleite do apaixonamento? isso já tinha acontecido antes. fazia tempo que não acontecia. talvez nunca tivesse acontecido assim – toda vez que você se apaixona, é ligeiramente diferente porque a pessoa é diferente, ainda que você seja a mesma pessoa. a paixão se faz nessa interação. eu nunca tinha me apaixonado por detetives selvagens até me apaixonar por detetives selvagens. era paixão, como eu a conhecia, e também era algo inteiramente novo. eu parava com o livro sobre o peito como se acolhesse um amante. dormia sorrindo, pensando que na manhã seguinte estaria de novo com as páginas nas mãos. estava vidrada, fissurada, os pensamentos todos apenas ali. vivendo um romance com um romance. 

obviamente, ler não é sempre assim. às vezes, você quer apenas beijar na boca de uma pessoa e pronto, muitos livros são ótimos e breves, maravilhosos, interessantes, mas não uma obsessão, um desejo de mais daquilo. será que pega mal elaborar uma teoria da leitura que é também uma teoria do apaixonamento? ou apenas ler a leitura como lemos as paixões. eu consigo pensar em algo que não seja na forma do desejo? a ânsia de ler pela sensação do prazer da leitura. a eterna ânsia de beijar um pouco mais na boca. a ânsia de viver um romance, a ânsia de estar com as palavras de um romance flutuando por trás das suas pálpebras antes de dormir. 

não sei de nada, não. tenho vontade de compartilhar coisas e de ouvir coisas. será que já escrevi sobre tudo isso? esse mesmo texto? sinto que estou sempre repetindo as mesmas coisas, mas pelo menos tento trocar as palavras. a leitura é e não é uma atividade solitária. ler sozinha. ler procurando o outro nas palavras: quando recebemos a indicação de alguém que gostamos, quando lemos um livro por conta de outra pessoa, ler esse livro e buscar nele o que mobilizou o outro. eu acho que eu só gosto muito de interação. talvez tudo se resuma a isso. 

vontade de terminar isso aqui mandando um beijo pra quem estiver lendo.
um beijo! 

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