sensível demais, eu sou um alguém que chora

 


quando eu era criança, não podia ouvir as músicas rosa de hiroshima e lamento sertanejo. ouvi-las fazia meu nariz coçar de imediato e meus olhos lacrimejarem. às vezes, conto algo da minha infância ou da minha adolescência e olho para mim mesma com quase trinta anos e lembro de dom casmurro, quando o bentinho fala da capitu como fruta dentro da casca. nós somos mesmo as pessoas que somos. e olha que a gente muda bastante no caminho. mas muitas promessas estão feitas ali. às vezes boas, às vezes ruins. 

um relatório da infância: fui uma criança quieta e sozinha. ou falante e sozinha. irritantemente falante, esquisitamente sozinha. isso é meia verdade. até os seis anos de idade, quando entrei na primeira série, tive que ser trocada de escola todos os anos, meus pais não davam conta de não apenas eu não fazer amigos como eu ser tratada com tanta, digamos, hostilidade pelas outras crianças. mas eu era chata. coitada. chata e esquisita e gorda para os parâmetros infantis. um prato cheio para uma miríade de apelidos. eu já narrei no twitter, mas na alfabetização, tinha uma paixonite por um rapaz chamado samuel. um dia, queria brincar com ele e ele disse que não. e aí eu disse: mas você está brincando com a fulana (não lembro o nome dela), que é mais feia do que eu (faz-me rir). e aí samuel me deu uma importante lição com sua resposta: mas pelo menos ela não é chata.

ser chato. o crime imperdoável. eu deveria ser muito chata. em algum sentido, ainda devo ser. às vezes acho que sou absurdamente chata com meus textinhos e meus pensamentos. e acho que tudo bem, também. eu consigo ser legal em voz alta. mas acho engraçado que me acho chata de um jeito parecido com o que fui nessa historinha: por que você não quer brincar comigo se eu sou pelo menos bonitinha? mas de volta ao relatório da infância.

na primeira série, 2001, entrei na escola em que fiquei até terminar o ensino médio em 2011. conheci a vanessa na terceira série, em 2003, mas não fomos super amigas de cara, fazíamos parte de um mesmo grupo de menininhas, mas nos estranhávamos, o que é tão engraçado quando eu penso que ela é o amor da minha vida e tudo o mais. mas é, 2003, vanessa, 2004, lucas cordeiro; meus queridos amigos de infância-infância, infância quando você não tem nem dez anos de idade. eu posso me corrigir para dizer que tive uma primeira infância solitária. era conhecida das bibliotecárias e atendentes da cantina. então eu era quieta na escola, mas eu não era quieta de verdade, porque quando encontrava os adultos falava pelos cotovelos. adorava falar com os adultos. adorava que os adultos achassem incrível o fato de eu gostar de ler. os adultos, os adultos. 

ontem vieram me falar que não gostaram de um livro que eu indiquei (o homem não existe, da ligia diniz) porque ela fala demais de si mesma. eu fiquei estarrecida. eu mal tinha percebido isso no livro. acho que ainda não percebo. acho que minha visão é que a autora fala de muitas outras coisas, mas partindo dela mesma, e tudo bem, não? será que fiquei na defensiva? eu estou sempre falando de mim mesma e esperando que isso seja também uma forma de falar de outras coisas. eu estou falando das coisas a partir de mim. porque isso é um blog. que eu escrevo. os meus pensamentos. e tudo o mais. 

sensível demais: as coisas sempre me deslumbram. fico facilmente encantada. por arte, por pássaros. por pessoas na rua e pequenas conversas. eu fico admirada, mesmo, é uma doideira, o mundo é horrível e eu entro em desespero, penso coisas terríveis, desejo a morte de pessoas horríveis. um dia desses, sonhei que estava numa missão com amigos de explodir milhares de bombas em israel. nós iríamos morrer também, mas era isso, o que tem que ser feito. aí, tudo o mais. posso fazer gestos vagos para o entorno e pensarmos em catástrofes climáticas, em super exploração do trabalho, no cansaço eterno de todos nós, as dores do capital, as dores do gênero, as dores da colonialidade, e tantas outras possíveis. tantas maneiras de morrer, de ferir, de sentir dor. entro em parafuso. vejo uma árvore, um pássaro, um amigo, um poema – algo retorna. como pode essas coisas que não salvam o mundo salvarem o mundo? 

fico deslumbrada sobre tudo o que é frágil e que faz. e como é possível que faça. tudo que é nada ou tão pouco e é tanto. não existe salvação. existe salvação. não existe consolo. existe consolo. de novo o riobaldo: tudo é e não é. por que eu estou falando disso mesmo? sempre perdida nos pensamentos. 

quando eu falo, quem lê também sente? eu estou falando tanto de mim. digito tanto a palavra eu. será que soa apenas assim, apenas um murmúrio narcisista e egocêntrico? eu falei na análise essa semana que sentia que... calma. não sei como dizer isso. eu quero dizer que escrever é importante pra mim, mesmo que eu só escreva bobagens. são as minhas bobagens. e eu queria que as minhas bobagens fossem pontes. eu quero escrever e parecer que eu estou falando com você. ou eu quero escrever e parecer que você está falando com você. ou que alguém etc etc. qualquer coisa. eu quero escrever transformando as palavrinhas em pontes. e também que eu sinto que a única coisa que me dizem e que me alegra instantaneamente, é sobre a escrita. toda vez que alguém diz que lê e que gosta eu sinto que posso ser feliz para sempre. que lê e que sente algo. qualquer coisa. 

sensível demais! como é que pode, né. o drummond disse tudo em mundo grande: meu coração não é maior do que o mundo. por isso gosto tanto de me contar. preciso de todos. preciso de todos. 


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